quarta-feira, 24 de abril de 2013

Crônica sobre meus vizinhos parisienses




Que me perdoem meus vizinhos brasileiros, mas os meus vizinhos de Paris são incríveis. E eu não escolhi esse adjetivo a esmo. Quando eu digo que eles são incríveis, é porque entre eles eu posso citar pelo menos um para cada uma das várias nuances dessa palavra: o que é fora do comum, o que é extraordinário, o que não é crível e o que é incompreensível.

Mesmo sendo mineira, eu me adaptei ao modo paulista de convivência com vizinhos. Isso quer dizer, nenhuma interação além da estritamente necessária ou inevitável. Portanto, quando as pessoas me falavam da fama dos vizinhos parisienses, isso não me assustava nem um pouco. Ou seja, nada mudaria em relação à São Paulo, pensava.

Mas cheguei a Paris e a cada dia algo acontece pra provar que esse estereótipo do vizinho parisiense insipido, inodoro e incolor não passa de uma falácia.

Vamos começar pelo princípio. Eu mal tinha chegado no prédio e encontrei com minha vizinha de cima nas escadarias. Ela se apresentou e deu as boas-vindas. Em seguida, ela explicou onde ela morava e contou que tinha três filhos, todos meninos e muito ativos. Então, ela se desculpou longamente pelos possíveis barulhos e se colocou a disposição para ouvir reclamações. Achei que esse era já um comportamento fora do comum. E confesso que é raro eu ouvir qualquer ruído vindo de lá e, quando acontece, nunca é em horário impróprio.

Já a minha vizinha de porta é uma francesa loira e linda. Ela se mudou pro seu apartamento algumas semanas depois que nós chegamos. E, em termos de simpatia e sociabilidade, ela é muito mais brasileira que eu. Ela se apresentou pra mim, me convidou para entrar no seu apartamento na mesma semana, me contou toda sua vida e ainda aceitou um convite de mesmo dia, feito no corredor, para beber um vinho comigo e alguns amigos na minha casa. Ela é realmente extraordinária.

Tenho também uma outra vizinha que é a típica senhora francesa, se veste impecavelmente, é extremamente elegante, e tem sempre um ar aristocrata. O que me deixou a impressão que nada, mas absolutamente nada, poderia realmente alterar seu tom de voz. Ledo engano. Ela pode gritar com todos seus pulmões se, por acaso, ela supuser que alguém está travando o elevador. Achei realmente difícil de acreditar que fosse ela. Mas crível ou não, parece que a pobre francesa burguesa tem uma tendência para barracos quando se trata de elevadores. 

Por fim, aquele que suscitou todo esse texto: o vizinho incompreensível. A primeira vez que nos encontramos foi na entrada do prédio. Ele me olhou de cima a baixo e não me disse sequer 'bonjour'. Na verdade, ele não me disse uma única palavra ainda que nós tenhamos dividimos o cubículo com função de elevador por intermináveis sessenta segundos. Minha primeira impressão desse meu vizinho pode ser chamada de várias coisas, menos de inodora. O homem exalava álcool por todos os seus poros. E eu até entendo sua opção de não me dirigir a palavra. Um pouco mais de álcool no ar poderia ser fatal. 

Quando ele deixou o elevador, eu pude reparar também que o embrulho pardo que ele tinha nas mãos não era uma baguette, mas uma garrafa de vinho. Pensei comigo, aí vai mais um escritor. É, eu sei, parece preconceituoso pensar assim. Mas eu também já tive as minhas tardes de "bloqueio" e nada como um vinho para liberar a criatividade.

Encontrei com esse meu vizinho um outro dia e dessa vez ele me disse "bonjour", ainda que timidamente. Subimos juntos as escadas e ele fez apenas um movimento milimétrico com a cabeça antes de entrar rapidamente no seu apartamento.

Hoje foi a terceira vez que o vi em mais de seis meses. Na esquina de casa, um homem me olhou, depois baixou a cabeça diagonalmente. Não bastasse esse movimento estranho, ele passou a me observar de viés, como se dessa forma não estivesse sendo percebido. Pensei, mas que homem bizarro. E foi só depois de uma dezena de passos que me dei conta que era o meu vizinho misterioso.

É claro que depois desse evento ele se tornou um personagem pra mim. Fiquei imaginando que, se ele não for escritor,  deve ser um artista. Visualizei seu apartamento repleto de manequins brancos que ele usa como telas. Depois transformei o senhor num artesão relojoeiro. Talvez ele crie minúsculas caixinhas de música. Talvez ele seja um Luthier famoso. Talvez ele seja um restaurador de antiguidades. Ou talvez ele seja só um francês que trabalha em horários menos convencionais. Mas, sem dúvida, é um sujeito um bocado estranho.


Foto: espétaculo Guignol no Jardin d'Aclimatation

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