terça-feira, 8 de julho de 2008

Melhor de três

"Respondi que gostaria mesmo era de poder um dia afinal escrever uma história que começasse assim: "era uma vez...". Para crianças? perguntaram. Não, para adultos mesmo (...)" Clarice Lispector

Ainda me revira o estômago, disse ela passando o selo na língua pra ressuscitar a cola. Naquele tempo já não se escrevia mais cartas, mas ela insistia que algumas coisas não deviam ser feitas por telefone, muito menos por outros meios mais virtuais. Tinha caminhado até ali carregando seu velho guarda-chuva e vinha contando as cores dos automóveis que apareciam no caminho. Foram 3 cores e suas variações.

Se ele não vem, eu mando por escrito, insistiu. Passou a noite anterior elaborando a carta. Separando delicadamente o que precisava ser dito de todo resto que guardaria pra ela mesma. Colocou tudo no papel. Em palavras claras, gráficos, rabiscos, tinta azul, preta e vermelha. Isso porque a quarta cor da caneta estava falhando. As frases em verde ficaram adiadas pra um dia melhor, se ele viesse.

É como se eu tirasse um peso das costas: carregar comigo o coração alheio é uma tarefa muito árdua. E esparramou sobre o balcão as moedas que tinha na bolsa de bolinhas. Foi contando e separando as pequenas pilhas por valor e formato. Porque conviviam ainda o modelo novo e o antigo. Três reais e trinta centavos.

Alguém tinha que ter a coragem. Entregou tudo na mão da funcionária sorridente. O envelope, as moedas e um segredo: tinha cansado de ser a terça parte.