domingo, 2 de junho de 2013

Entre duas estações




Cabe tanto pensamento entre duas estações. Do momento em que a porta se fecha até a próxima parada, é como se estivéssemos em um hiato da dimensão espaço-tempo. Estamos nas veias da cidade, por onde transita tudo aquilo que precisa cruzá-la, por onde passa o que realmente dá vida à Paris.

A porta se abre, um grupo de crianças em excursão me tira do meu delírio. Com o burburinho típico, elas se deslocam de duas em duas, de mãos dadas, escoltadas por seus guardiões. Uma campainha depois e estamos de novo em rota. Um som familiar de acordeon ressoa pelo trem. La vie en rose: impossível não marcar com o pé o compasso.

"C’est toi pour moi, moi pour lui dans la vie
Il me l’a dit, l’a juré pour la vie"

Um casal me chama atenção. Eles beiram os oitenta e muitos. Pode ser "naif", mas meu coração se enternece, também quero ter um amor assim por toda a vida. Andar lentamente de mãos dadas pela cidade.

Parada brusca, entre e sai, empurra, empurra, a dança das cadeiras. Uma outra música invade o vagão. Caos. Reparo pra ver se o meu casal preferido conseguiu se abrigar da multidão. Lá estão eles, sentados lado a lado, de mãos dadas.

Perdemos o acordeon, mas o silêncio não dura. Uma mulher de postura curvada canta um lamento enquanto estende a mão à espera de moedas. Um grupo de adolescentes gargalha no outro extremo. O que nos separa e o que nos une? Para citar a mais básica de todas as semelhanças: estamos vivos e mais próximos da morte a cada dia.

Quando a porta se abre, um mundo entra e um mundo sai até que a passagem se fecha. Estamos de volta ao hiato. E se você se concentra, é capaz de estender a ponte e só voltar à realidade muitas paradas depois. Uma verdadeira viagem no espaço e no tempo.

Como eu disse, cabe tanto pensamento entre duas estações.

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