segunda-feira, 18 de março de 2013

Memórias de um futuro próximo

Gabriel era o terceiro canditado enviado por Heitor e a mesma cena estava montada  para recebê-lo. Eram cinco horas em ponto quando ele chegou. Um jovem comum e sem grandes atrativos, mas pontual, ao contrário dos seus concorrentes. Seus olhos pequenos e inquietos varriam tudo em busca de referências, e o largo silêncio imposto pela anfitriã não parecia incomodar. 

Minutos depois e ele seguia em seu lento ritual de observação. Ela não confessaria mas teve um secreto prazer em interrompê-lo e convidá-lo à imensa mesa de chá. Finalmente ele parecia intimidado, o que conseguiu arrancar dela um pequeno sorriso. Retirar o interlocutor de sua zona de conforto era seu artifício preferido. As louças delicadas tremiam em suas jovens mãos.

- Diga, Gabriel, se você pudesse me fazer uma única pergunta, qual seria?

 Empalidecido, ele tentou ganhar tempo tomando mais um gole de chá antes de dizer o que seria a sua primeira frase da tarde. 

 - Vamos, sem pensar muito, qual seria sua pergunta?

 Então ele deixa de lado a xícara e, olhando fixamente nos olhos dela, ele responde. 

 - Seus motivos. Eu gostaria de saber os seus motivos. Porque nada disso faz sentido pra mim, levando em conta a sua vida e a sua obra.

Aquela era a primeira vez que ele deixava claro que a olhava. E ela retribuiu seu ato deliberado com um olhar atento, respirou fundo e colocou um sequilho na boca. Afinal, era exatamente o que ela tentava entender naquele momento, os motivos. Não os dela, porque desses ela já havia definitivamente desistido, mas os dele. O que diabos ele pretendia? O que ele buscava fazendo aquele trabalho. Pelo currículo que Heitor lhe enviara, ele tinha uma carreira ainda incipiente mas com grandes possibilidades.

- Meu agente falou com você sobre as minhas condições. Você está de acordo com elas? 

Ele se limitou a um novo movimento de cabeça. Ela olhou demoradamente pra ele sem que ele desviasse o olhar.

- Gabriel, você deverá voltar lá pra assinar o contrato. 

Ela disse enquanto se levantava e já indo em direção a porta. Ele ainda atordoado, percebeu que deveria levantar-se e segui-la.

-Todas as questões burocráticas, todas elas, você deve tratar com o Heitor. Não me encha o saco. Eu não gosto, ela diz estendendo a mão para ele. E pense bastante nas minhas condições. 

Ele já ia caminhando no corredor arrumando sua bolsa a tira-colo quando ela retomou a palavra.

- E só mais uma coisa, Gabriel, que é melhor você ter em mente antes de aceitar esse trabalho. A minha vida sempre foi movida por grandes amores ou por grandes ódios. E, no momento, eu estou sem nenhum. 

Ele fez um movimento com a cabeça indicando que havia entendido. Ela sabia que ele não tinha certeza do exato significado daquelas palavras. Mas deixá-lo com a dúvida já lhe bastava.

 

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