domingo, 12 de dezembro de 2010

Uma estranha história de amor

Quando o gato atravessou as grades da janela hoje, trazia um passarinho morto na boca. Sentado na mesa da cozinha, eu tomava meu café amargo. O velho Tom costumava dizer que de doce bastava a vida. Pessoa otimista. Eu acredito que tenha apenas me acostumado com o gosto dela: tudo que é doce me embrulha o estômago, me causa náuseas. Mas não a cena do bicho na boca do gato.

Era quase um espelho. Eu também já estive preso numa boca qualquer. Agonizei entre os dentes que me rompiam o pescoço. E insisti em sobreviver, como o pássaro que ainda se debate sobre o parapeito da janela sob os olhos cuidadosos do bichano. Pensei: e se ele conseguisse escapar? Talvez, ao contrário de mim, não chegaria a fugir. Talvez tenha se entregado ao gato em sacrifício. Pra mim estava claro, era um típico caso de amor, entre o pássaro e o gato.

Por isso, me recuso a andar até a janela e interromper o ritual. Minha intervenção ali seria inútil. Volto para o meu café frio e meu jornal. Às vezes, não há nada melhor que um parapeito e os olhos de um gato guardando você e suas feridas. Eu preferia ter morrido assim. Deixo a ave cumprir o destino que escolheu. Menos nobre, eu também sigo o meu.

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